Como os relacionamentos amorosos sobrevivem ao TDAH.
Roberto e Laura estão casados há dois anos. Quem vê hoje a forma como levam a vida juntos nem imagina como foi tumultuado o começo do namoro. Ela falava com ele, contava histórias, queria conversar sobre o que tinha acontecido de importante, mas encontrava um vazio do outro lado. As respostas eram evasivas, às vezes nada a ver com o assunto que ela estava falando, ela entendia como pouco caso. Combinavam de fazer alguma coisa juntos e ele esquecia, horários marcados eram apenas para fazer esperar quem já estava perdendo a paciência com tudo. Como resultado, as brigas eram frequentes. O relacionamento foi “azedando” até o ponto de quase terminar. Ela nunca tinha ouvido falar em TDAH. Ele nunca teve coragem de contar.
Até que, para arrumar um emprego e salvar o relacionamento, Roberto foi pro-curar ajuda profissional e informações de como lidar com a distração, a impulsividade e a hiperatividade que tanto atormentaram sua infância e adolescência. E Laura foi acompanhando esse processo e aprendendo a lidar com as dificuldades de quem tem um namorado com TDAH.
Elas não são poucas, mas todas superáveis com muita conversa e o entendimento de que nem tudo é descaso e falta de atenção com o outro. Muito pior, a desatenção é generalizada. Aos poucos, com paciência e algumas dicas importantes, o TDAH deixou de ser um problema no relacionamento amoroso. Acabaram casando, ela fez valer o seu lado super organizado e adotou um caderninho de despesas para controlar os gastos da nova família. Quando Roberto precisa lembrar de alguma coisa, Laura coloca listinhas na carteira e, como ele mesmo conta, ganhou uma secretária particular super eficiente. Mas ele também adotou algumas regras pessoais para organizar melhor a rotina e a vida.
Ela também já sabe que quando tiver um filho terá que cuidar de dois, porque já tem uma “criança” em casa. Aliás, é exatamente como muitos parceiros das pessoas com TDAH se sentem: cuidando de uma criança grande , o que em muitos casos pode representar uma enorme sobrecarga de trabalho e pressão e precisa ser resolvido com esforço e entendimento de ambas as partes.
Pelo menos eles não tiveram que esperar 50 anos de casados para entender o problema dos relacionamentos com um TDAH. Como aconteceu com um casal da família que só descobriu o TDAH do marido quando ele tinha 70 anos. E pensar que a esposa passou a vida fazendo terapia acreditando que o problema era com ela, o tempo todo tentando lidar com a hiperatividade dele.
O parceiro sem TDAH não sente apenas solidão, mas sofre por não vivenciar o compromisso e cumplicidade que seriam elementos essenciais num relacionamento saudável. O ressentimento passa a tomar conta dos dois e as acusações se tornam frequentes reduzindo a já comprometida autoestima do portador de TDAH. Taxado sempre de preguiçoso, irresponsável e impulsivo, ele se deixa abater pelo sofrimento de nunca acertar. Os homens acham que as mulheres com TDAH vivem no mundo da lua, distraídas que são. As esposas cujos maridos são portadores de TDAH podem se sentir frustradas com o casamento e presas em uma armadilha (Hallowell e Ratey, 1994). Um dos grandes problemas vem justamente do fato de que muitas vezes o casal, ou um dos parceiros, ignoram que estão lidando com um problema neurobiológico, que pode ser superado com a busca do conhecimento e informações para fortalecer o relacionamento, ao invés de causar profundas rupturas¹.
Apesar do empenho de cada um para lidar com os sintomas e encontrar caminhos de entendimento, a vida nunca é fácil para um casal que lida com o TDAH. Um dos cônjuges pode se sentir ignorado e solitário enquanto o portador de TDAH se sente sempre devedor de alguma coisa, sem conseguir corresponder às expectativas do outro. A frustração recíproca pode ser bem grande e estabelecer uma sensação de que um está sendo controlado pelo outro, que apenas tenta ajudar quem lida com tantas dificuldades. A crise pode até se instalar, mas algumas estratégias² podem ajudar a reduzir toda a tensão desse padrão conhecido como ciclo sintoma-resposta:
- Restabelecer e cultivar a empatia pelo outro;
- Identificar onde os padrões se repetem e tentar reações diferentes das que já provaram não funcionar;
- Motivar a mudança do comportamento distraído funciona melhor que reações agressivas;
- Depois de investir nessa proposta de restabelecer uma comunicação mais positiva, o casal pode trabalhar para reconstruir um relacionamento mais saudável.
Se manter um relacionamento afetivo durante uma vida ou um tempo longo já é uma tarefa das mais difíceis, quando um dos cônjuges ou os dois são portadores de TDAH, esta proposta pode tornar-se um ato heróico para ambas as partes. Sem dúvida as dificuldades do dia a dia assumem proporções inesperadas e para encontrar um caminho de convivência amorosa os dois têm que se empenhar e muito. Algumas orientações³ dos terapeutas podem ajudar, se houver um propósito muito firme de buscar o equilíbrio no relacionamento amoroso:
- O casal deve informar-se sobre TDAH e como lidar com os sintomas;
- O portador do TDAH deve assumir como sua responsabilidade buscar ajuda profissional para tratar os sintomas;
- Lembrar que o comportamento do outro não é uma falha pessoal, mas o sintoma de um cérebro que funciona diferente;
- Ter paciência para que as mudanças ocorram, elas levam tempo e sempre elogiar quando elas acontecem para reforçar os comportamentos positivos;
- Não aceite ser a mãe/pai do portador de TDAH, não seja seu escravo pessoal, ele precisa aprender a ser responsável com a própria vida;
- Nunca aceite abusos físicos ou verbais. O outro precisa aprender a lidar com a impulsividade e raiva e respeitar o parceiro. Por outro lado não despeje sobre o outro uma descarga de acusações;
- Combinem um horário para conversar sem distrações. Ouvir mais e falar menos, com muita honestidade e amorosidade pode incentivar as mudanças esperadas. Nunca esperar que o portador de TDAH perceba ou sinta que existe algo errado, você precisa falar numa conversa aberta e transparente;
- Amor e compaixão é o que você precisa demonstrar apesar de todas as frustrações que possam estar acompanhando o relacionamento.
E finalmente, procure ter algum senso de humor, pode parecer insano, mas acredite, ajuda muito.
Se tudo que você viu até agora foi pouco, imagine uma família com marido e mulher TDAH e, claro, dois filhos também portadores. Essa família existe e eles nunca brigaram por nada que fosse relacionado com o transtorno. Sempre um sabia que poderia ser o próximo a ter algum comportamento inadequado, ou uma distração daquelas de deixar todo mundo trancado para fora da casa num dia de chuva. E como as distrações eram muito frequentes, eles sempre riam uns dos outros, o que acabou sendo a salvação de todos. Não tem nada de engraçado em algumas histórias, mas sempre podemos encarar os contratempos com um pouco de humor, alguma paciência e muito amor.
Referências:
1. http://www.tdah.org.br/br/artigos/textos/item/982-o-tdah-e-as-relacoes-conjugais.html
2. http://www.tdah.org.br/br/artigos/textos/item/319-o-efeito-do-tdah-no-casamento.html
3. https://www.additudemag.com/can-this-marriage-be-saved/
Julho/2020 C-ANPROM/BR//1996