O tratamento de TDAH é mais eficaz quando a mãe é tratada junto com o filho?


O tratamento de TDAH é mais eficaz quando a mãe é tratada junto com o filho?

Com três filhos pequenos, sendo dois com TDAH, Mirela estava praticamente enlouquecendo diante de todas as demandas que se acumulavam: sua vida profissional, as responsabilidades da família comuns a todas as mães e ainda uma sobrecarga muito pesada com o tratamento das crianças e os comportamentos típicos do distúrbio: desatenção e hiperatividade.

O marido também vivenciava a situação com grande dificuldade. Até então ele desconhecia o que eram os sintomas do TDAH, sem saber que além dos filhos também tinha uma esposa TDAH. Depois de muitas confusões, como chaves perdidas, tarefas sem fazer, compromissos esquecidos, artes em sequência das crianças e a mulher cada vez mais confusa, ele começou a desconfiar que algo mais estava errado naquela família.

Estava mesmo. Faltava o diagnóstico da mãe. O que na realidade também é uma situação muito frequente. Mas, a partir do momento que o diagnóstico se confirma, o tratamento envolvendo mãe e filho TDAH já tem mostrado resultados positivos em pesquisas recentes, embora algumas ainda estejam em andamento.

O Dr. Mark Stein, PhD, que trata e estuda o TDAH há décadas, estima que cerca de 20% das crianças com TDAH tenham pais com o mesmo transtorno. Ele afirma que os adultos não diagnosticados na infância são mais difíceis de diagnosticar, porque os sintomas são menos óbvios do que nas crianças. Isto é especialmente verdade para as mulheres. Quando as mães não são tratadas, muitas vezes se tornam desmoralizadas e lutam com a maternidade, especialmente se o filho é difícil de administrar. ¹

“Uma das razões mais comuns pelas quais as crianças não respondem ao tratamento do TDAH é porque os pais têm TDAH”, diz Stein. “Se um dos pais não for tratado, é mais provável que esqueça os medicamentos de seus filhos, perca compromissos, perca tabelas comportamentais ou não perceba comportamentos positivos quando eles ocorrerem.”

Stein está liderando o estudo de pesquisa “Mother’s First” para descobrir como tratar eficazmente o TDAH quando a mãe tem o transtorno e seu filho está em risco ou tem TDAH que ainda não foi tratado. O estudo está tratando mães com medicação, modificação de comportamento ou ambos. Os pesquisadores então avaliam os efeitos sobre a mãe, a família e a criança.

Como se sentem as mães TDAH criando filhos com o mesmo transtorno

São muitas as mães com TDAH que estão lutando para criar seu filho também com TDAH. Algumas vezes mais de uma criança herda o transtorno, o que amplia ainda mais a pressão sobre as mães TDAH, provocando um estresse adicional.

Christine A. Adamec, em seu livro Moms with ADD afirma: “As mães se sentem de um jeito, mas acham que deveriam se sentir de outro. Então, elas ficam com raiva de si mesmas e ficam presas em um ciclo negativo de espancar mentalmente a si mesmas. Elas também podem ficar tristes e se sentirem tragadas para dentro.”

Muitas mães só descobrem o seu próprio TDAH depois que um de seus filhos foi diagnosticado. Então elas se identificam com todas as situações, lembram das passagens da sua própria infância e passam a associar seus comportamentos ao transtorno. As implicações de ser mãe de um TDAH, sendo também portadora do transtorno podem ser bem complexas: uma criança impulsiva, de vontade forte e hiperativa sendo criada por uma mãe impulsiva, não-estruturada e hiperativa que provavelmente não foi diagnosticada ou teve qualquer tratamento para o TDAH. ²

Edward Jacobs, PhD, autor de livro Fathering the ADHD Child, compara a experiência a ficar em um salão de espelhos:

“Onde quer que você olhe, você vê seu reflexo, e não pode fugir dele. Interagir com seu filho quando ele é impulsivo e hiperativo agita sua impaciência e irritabilidade e você responde impulsivamente. Confrontar o mau controle do seu filho sobre as emoções dele desperta sua raiva e você age impulsivamente. A razão pode sair pela janela quando vocês dois estão interagindo.” ²

Realmente, criar filhos não é tarefa das mais fáceis, educar uma criança com TDAH é missão para os fortes. O grande problema se apresenta quando a mãe também está lutando para vencer o seu próprio transtorno, muitas vezes sem o diagnóstico e consequente tratamento.

A professora associada de psicologia na Universidade de Maryland, Andrea Chronis-Tuscano, PhD, afirma que a tarefa de cuidar de uma criança com TDAH é difícil para as mães que têm a mesma condição. Ela conduz uma pesquisa que enfoca esse duplo golpe - de mulheres com TDAH criando filhos com TDAH - tornando-a plenamente consciente do que foi subestimado. ³

“Descobrimos que as mães que têm sintomas elevados de TDAH têm dificuldades em ser positivas e em manter suas emoções sob controle, embora sejam inconsistentes em termos de disciplina - muitas vezes dizem algo e depois fazem outra coisa. Mães distraídas também têm dificuldade em supervisionar de perto seus filhos, o que pode ser arriscado, já que as crianças com TDAH são tão propensas a acidentes.”

De muitas maneiras, pais e filhos que compartilham um diagnóstico de TDAH podem ter uma perfeita incompatibilidade. O trabalho dos pais baseia-se fortemente nas chamadas funções executivas do cérebro: exercitar o bom senso, pensar no futuro, ser paciente e manter a calma.

Quando as mães que lutam com esses desafios têm filhos na mesma situação, elas provavelmente enfrentam situações como: prazos perdidos, percalços gerais, explosões emocionais. Por outro lado, olhando para trás você pode recordar alguns momentos muito engraçados. A pesquisadora relata que algumas mães em seu estudo verificavam seus relógios e saiam correndo para pegar as crianças esperando por elas em outro lugar.

Essas e outras situações bem comuns podem parecer divertidas, mas na verdade acabam causando muitos transtornos na vida cotidiana da família.  Pense em mães que levam os filhos na escola em dias de feriado, esquecem de conferir as tarefas, quando a criança também esqueceu de fazer, levam as crianças aos compromissos e esquecem de buscar.

Sem falar dos conflitos sem fim entre duas pessoas igualmente impulsivas, com a consequente sensação de fracasso e remorso da mãe que desconhece as próprias limitações impostas pelo transtorno. Entre elas, a distração constante, enquanto as muitas atribuições e coisas por fazer não podem ficar para mais tarde, quando enfim a mãe lembrar.

Como o tratamento do TDAH pode ajudar as mães de filhos hiperativos

O primeiro passo é buscar ajuda profissional, porque apenas o diagnóstico pode levar ao tratamento do TDAH para as mães, com a consequente orientação para os pais de como lidar com o transtorno. Sim, os pais também precisam participar do tratamento e seu apoio é ainda mais essencial quando as mães têm TDAH.

Lamprini Psychogiou, PhD, professora e pesquisadora da Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, oferece uma visão esperançosa dos possíveis resultados de um diagnóstico compartilhado, em um estudo publicado em Desenvolvimento e Psicopatologia. Em uma análise com quase 300 mães, Psychogiou descobriu que, enquanto os sintomas de TDAH em crianças estavam ligados a mais emoções negativas expressas por suas mães, as mães que compartilhavam os sintomas de seus filhos eram muito mais afetivas e compassivas.⁴

Enquanto alguns estudos ainda estão em andamento, muitos profissionais e autores vêm abordando o tema das mães TDAH criando filhos também TDAH. Tanto o diagnóstico como as terapias e tratamentos se mostram positivos no apoio às emoções conflitantes das mães, oferecendo recursos para que elas possam cumprir suas tarefas com expectativas mais realistas sobre as suas possibilidades, além da necessária orientação profissional para a eficácia do tratamento de TDAH. O que certamente beneficiará mães e filhos.

   

¹ Seattle-Children`s. Research Study Asks: Could Mothers Be Key To ADHD Treatment?. Disponível em: <https:/pulse.seattlechildrens.org/study-asks-mothers-key-adhd-treatment/> Acesso em: 08 Maio 2019

² Child-Mind-Institute. Cuando Padres E Hijos Tienen TDAH. Disponível em: <https:/childmind.org/article/ayuda-para-padres-con-tdah/> Acesso em: 08 Maio 2019

³ Additude. When ADHD (Literally)Runs In The Family. Disponível em: <https://www.additudemag.com/mothers-with-adhd-raising-kids-with-adhd/> Acesso em: 08 Maio 2019

⁴ Journal-of-the-American-Academy-of-Child-&-Adolescent-Psychiatry. Family Characteristics, Expressed Emotion, And Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Disponível em: <https:/www.jaacap.org/article/S0890-8567(13)00153-6/abstract> Acesso em: 08 Maio 2019

Junho 2019 / C-ANPROM/BR//1445