Logo que Bruno começou a andar, a família percebeu os primeiros sinais de hiperatividade. O menino nunca parava quieto e as artes da infância começaram a se multiplicar de forma incansável. Conforme ele foi crescendo também expandiu seu potencial de provocar os irmãos e mostrar o talento para artes inimagináveis. Como o pai é portador de TDAH e uma irmã mais velha já estava diagnosticada com o transtorno, ficou evidente que ele também precisaria de tratamento e suporte de especialistas.
Mas à essa altura a família também já tinha entendido a importância do treinamento para pais de TDAH. Afinal, a orientação aos pais pode contribuir, e muito, para o sucesso do tratamento e melhorar a qualidade de vida de todos os que convivem com crianças e adultos com déficit de atenção e hiperatividade.
Aquilo que todos já vêm comprovando na prática foi confirmado recentemente por um grande projeto de pesquisa da Universidade de Aarhus e do Centro de Psiquiatria Infantil e Adolescente, Risskov, em colaboração com a Universidade de Copenhague, Universidade de Nottingham e Kings College London, no Reino Unido.
Publicado no Journal of the American Academy of Child and Adolescent
¹, o estudo destaca que o tratamento comportamental individual e o apoio aos pais que têm crianças pré-escolares com TDAH são significativamente melhores do que os atualmente oferecidos rotineiramente nos Serviços de Saúde Mental da Criança e do Adolescente da Dinamarca.
O estudo começou em 2012 e incluiu 1.300 crianças em um grupo de controle usado para examinar se as 164 crianças de 3 à 7 anos, cujos pais participaram do programa de treinamento, eram representativas para crianças com TDAH. Os resultados mostraram que os pais que receberam o Programa “New Forest Parenting” relataram que os sintomas de TDAH de seus filhos foram significativamente menores após a intervenção, em um acompanhamento de 48 semanas, em comparação com o grupo de tratamento usual. Os pais que receberam o programa também relataram que experimentam níveis mais elevados de auto-estima para si próprios e níveis mais baixos de tensão na família, em comparação com o grupo de tratamento usual.
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De acordo com
Anne-Mette Lange, psicóloga clínica do Centro de Psiquiatria Infantil e Adolescente do Hospital Universitário de Aarhus, Risskov e da Universidade Aarhus, a primeira autora do artigo, “o programa New Forest Parenting fornece aos pais técnicas para treinar a atenção e a concentração de seus filhos, melhorar sua capacidade de lidar com a espera e a frustração, mas também ajuda a garantir uma vida mais fácil para as crianças com TDAH e suas famílias”.
Ela também destaca que “nos anos pré-escolares o TDAH está associado a uma gama de desfechos negativos que justificam a intervenção, mas muito pouco se sabe sobre o efeito de intervenções parentais comportamentais quando implementadas em sistemas de saúde rotineiros. É importante investigar os efeitos do tratamento nos ambientes cotidianos onde as crianças estão rotineiramente para melhorar os resultados para crianças pequenas com TDAH e seus pais.
Este estudo mostra que o treinamento dos pais baseado em evidências é eficaz quando implementado em contextos da vida real onde crianças pequenas com TDAH recebem seus cuidados”. Exames exploratórios de moderadores de desfecho mostraram que gênero infantil, situação socioeconômica familiar, sintomas de TDAH parental e problemas de nível de conduta das crianças não tiveram influência sobre o desfecho, sugerindo que a intervenção pode ser eficaz independentemente das características da família e da criança.
O TDAH na pré-escola está associado à sobrecarga de longo prazo para as famílias e os sistemas de saúde, social, educacional e de justiça criminal. Intervenções de TDAH mais efetivas são necessárias para esse grupo etário e a participação dos pais no tratamento, com treinamento e orientação se mostram ainda mais importantes.
Por ser um estudo recente, o “Programa New Forest Parenting” ainda não está disponível no Brasil, porém algumas clínicas oferecem outras possibilidades de suporte aos tratamentos, como o Treinamento Parental e a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC).
É importante ressaltar que no Brasil o diagnóstico só pode ser dado a partir dos 6 anos de idade, mas é possível realizar avaliações e intervenções comportamentais nas crianças menores, até que se feche o diagnóstico. A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) tem sido muito aplicada no tratamento do TDAH. A neuropsicóloga Claúdia Dantas explica que “além de ser uma terapia com começo, meio e fim, ela é voltada para ajudar a criança ou adolescente a reconhecer e a modificar padrões de comportamentos disfuncionais ou distorcidos. Oferece também estratégias para lidar com as dificuldades de organização, gerenciamento do tempo, desatenção, entre outros”.
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A participação dos pais é fundamental na terapia e em todo o tratamento do TDAH o terapeuta estimula o paciente de forma individualizada e compartilha com os pais as práticas e estratégias que atendem às necessidades da criança. “Quando os pais entendem as dificuldades que a criança enfrenta, compreendem o transtorno e como ele afeta os comportamentos, acabam se envolvendo mais para ajudar no tratamento. Além disso, oferecemos recursos para que esses pais possam lidar melhor com as situações cotidianas”, completa Claúdia Dantas.
Ainda segundo a neuropsicóloga, o treinamento dos pais gera empatia e esperança de vencer as dificuldades: “os pais se sentem encorajados a participar mais ativamente e passam a acreditar que é possível modificar comportamentos e melhorar o relacionamento familiar”.
A divulgação de informações é parte importante dos programas de treinamento e apoio para pais de crianças com TDAH. Felizmente hoje os pais e portadores do transtorno podem contar com sites e blogs como Eu Foco e outros de associações sérias, que disponibilizam conteúdos relevantes, além do suporte de tecnologia, com aplicativos como o
Focus. Existem ainda bons livros e vídeos com dados a respeito do transtorno e de estratégias efetivas, que podem ser usadas por familiares. Entre as estratégias
4, que podem ajudar os pais de crianças com TDAH, alguns mandamentos se revelam essenciais:
- Reforçar o que há de melhor na criança.
- Não estabelecer comparações entre os filhos. Cada criança apresenta um comporta-mento diante da mesma situação.
- Procurar conversar sempre com a criança sobre como está se sentindo.
- Aprender a controlar a própria impaciência.
- Estabeleça regras e limites dentro de casa, mas tenha atenção para obedecer-lhes também.
- Não esperar “perfeição”.
- Não cobre resultados, cobre empenho.
- Elogie! Não se esqueça de elogiar! O estímulo nunca é demais. A criança precisa ver que seus esforços em vencer a desatenção, controlar a ansiedade e manter o “motorzinho de 220 volts” em baixas rotações está sendo reconhecido.
- Manter limites claros e consistentes, relembrando-os frequentemente.
- Use português claro e direto, de preferência falando de frente e olhando nos olhos.
- Não exigir mais do que a criança pode dar: deve-se considerar a sua idade.
Enfim, treinar pais de TDAH tem sido uma prática muito valorizada como suporte aos tratamentos clínicos, lembrando que a orientação à família e seu apoio são essenciais junto com o acompanhamento médico que nunca deve ser dispensado.
Referências:
1. NCBI. The Effectiveness of Parent Training as a Treatment for Preschool Attention Deficit/Hyperactivity Disorder: Study Protocol for a Randomized Controlled, Multicenter Trial of the New Forest Parenting Program in Everyday Clinical Practice. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4848388/> Acesso em: 10 Jan. 2019.
2. EUREKALERT!. Individual training of parents is best for small children with ADHD. Disponível em: <https://www.eurekalert.org/pub_releases/2018-08/au-ito080118.php> Acesso em: 10 Jan. 2019.
3. WEINMANN. Treinar pais de crianças com TDAH melhora sintomas e qualidade de vida familiar, revela pesquisa. Disponível em: <http://www.weinmanncentroneurologico.com.br/2018/08/tdah-sintomas/> Acesso em: 10 Jan. 2019.
4. ABDA. TDAH - Algumas dicas para os pais. Disponível em: <https://tdah.org.br/tdah-algumas--dicas-para-os-pais/> Acesso em: 10 Jan. 2019.
Julho/2020 C-ANPROM/BR//1996